Confira entrevista do Diretor de Investimentos para a Abrapp

Criado em em: 14 de maio de 2020 / Atualizado em: 14 de maio de 2020

O Diretor de Investimentos e Controladoria da Fundação Libertas, Rodrigo Barata, concedeu entrevista exclusiva ao blog Abrapp Em Foco, na qual falou da condução dos investimentos na Libertas e as medidas para recuperação do setor. 

Com mais de 40 anos de experiência no mercado financeiro, ele afirma que o momento atual não tem precedentes e faz um alerta: As empresas precisam ter agilidade para se adequarem à nova realidade provocada pela pandemia da covid-19.

Leia a entrevista na íntegra abaixo.

Em entrevista exclusiva para o Blog Abrapp em Foco, o Diretor de Investimentos e Controladoria da Libertas, Rodrigo Eustáquio Barata faz uma profunda análise sobre a crise financeira atual provocada pela pandemia de COVID-19. Com uma experiência de 40 anos no mercado financeiro, 38 dos quais em entidades fechadas, o experiente profissional alerta que a crise atual não tem precedentes com as anteriores que enfrentou ao longo de sua trajetória.

O Diretor da Libertas acredita que a recuperação de nenhuma maneira terá a forma de um “V”, pois segundo suas palavras “a locomotiva parou” e será necessário recolocá-la nos trilhos para fazer voltar a andar. Por isso, ele prevê uma volta do aumento dos déficits dos planos de benefícios em 2020, o que levará a uma necessidade de flexibilização das regras de equacionamento pelos órgãos reguladores. E recomenda ainda maior proximidade das direções das entidades com seus patrocinadores para buscar soluções em conjunto, caso contrário, crescerá o risco de retirada de patrocínio em alguns casos.

Leia os principais trechos da entrevista:

Crise inédita O que todos falam é que a crise vai passar, porém igual a essa crise, ninguém viu. Então, ninguém sabe quais serão os novos rumos da economia, quais hábitos da população irão mudar. É um risco diferente que não se originou do sistema financeiro colapsado. Se fosse um colapso do sistema financeiro, em último caso poderia imprimir dinheiro, mas nem isso está resolvendo.

Risco sanitário É um problema de saúde global, que parece que não tem uma cura fácil. É uma doença que afeta a todos, ricos e pobres. Nunca vi uma situação que o mundo parasse. As fronteiras foram fechadas. A maioria das movimentações de mercadorias ficou estagnada, está quase tudo parado.

Crise de 2008 A crise mais grave que já passei foi a de 2008. Mas o Brasil vinha de um crescimento médio do PIB de 3,6% ao ano na década de 2000. Era fácil gerar superávit nas entidades fechadas. Houve forte crescimento de massa salarial. Os imóveis dispararam de preço. As commodities estavam em alta. Quando a crise chegou em 2008, havia uma gordura grande. Houve colapso financeiro com a crise subprime dos EUA. Mas a crise foi resolvida com rapidez com uma grande injeção de recursos na economia.

Agora é diferente Nas outras crises era possível identificar a raiz do problema e como resolver. E o país tinha nas mãos instrumentos de política fiscal e monetária. Era chegar a um consenso e agir. Hoje você pode ter o maior recurso do mundo, mas se continuar a pandemia, a economia não vai andar. As empresas não irão gerar lucros e os indicadores irão se deteriorando se comparados a períodos anteriores como o primeiro trimestre.

Oportunidades? Muitos dizem, vamos aproveitar as oportunidades! Muitas assets que vendem produtos, dizem: agora é o momento. Não sei se isso é certo. Tudo bem, podemos aproveitar oportunidades, mas com muita prudência, com muita cautela. Vamos supor que a quarentena acabe no Brasil, que estão todos nessa ansiedade. O problema é a volta desordenada. O problema pode continuar. Outros países estão tentando voltar e não é simples.

Desorganização Veja a situação da liberação do auxílio na Caixa Econômica. Tem uma multidão do lado de fora, estão aglomerados. E parece que não tem medidas para isso acontecer de forma ordenada. Resolve um problema, mas ficam todos aglomerados, correndo risco. É uma situação muito complicada. Vamos supor que amanhã voltamos aos escritórios, teremos de trabalhar com máscara. Na hora do almoço, teremos de tirar a máscara e já não teremos mais proteção.

Situação atual Qualquer atitude que tomarmos no fundo de pensão, deve se concentrar no curto prazo para evitar mais surpresas. Pois depois, pode ser que tenha que parar tudo de novo. A volta será muito cautelosa. Este ano de 2020 está praticamente perdido. Já estamos quase em junho. No primeiro semestre parou quase tudo, os resultados da economia e do próprio governo serão muito negativos.

Deterioração anterior A economia em geral no período pré-crise não era boa. O PIB cresceu em média 0,26% ao ano, ou seja, não houve crescimento. Tivemos aumento do desemprego. A situação fiscal já estava muito ruim. E agora a relação dívida/PIB vai para mais de 80% a 90%, tem gente que fala que pode chegar até 100%. E agora a política fiscal com queda de receita e aumento de despesas vai piorar muito. Houve liberação do teto de gastos.

Política monetária Não tem mais muito mais o que fazer pela política monetária. A Selic já está 3%, o que representa uma taxa de juros real de 1%. O capital estrangeiro vai continuar saindo. Haverá uma fuga de capital muito grande. O dólar vai tomar proporções muito maiores que está aí. E o Real foi uma das moedas mais depreciadas do mundo desde o início da crise. Sem falar nos poderes políticos que estão em conflito. Há uma mistura das questões de saúde com questões políticas. Não haverá recuperação em V. A locomotiva está parada. Até colocar no trilho novamente, vai demorar. A economia brasileira parou.

Abrir mão da rentabilidade Em função de tudo isso, hoje temos grandes problemas de gestão de recursos. Acho que a maior preocupação deve se concentrar no fluxo de caixa. Devemos abrir mão da rentabilidade para priorizar o pagamento dos benefícios. A situação mudou bastante. Por exemplo, no segmento imobiliário, a receita caiu bastante. Quase todos os players pediram redução de aluguel ou até suspensão. E não se pode prever até quando irá essa situação. E na volta, com uma recessão muito grande e as novas relações de trabalho, duvido que as empresas irão ocupar o mesmo espaço de antes.

Aumento da produtividade O home office está dando certo. Nós estamos em casa com nossa equipe, e temos um engajamento até maior. A sociedade vai repensar. Acredito que haverá um corte de custo, até porque houve uma evolução grande de TI. Em São Paulo, por exemplo, o home office está fazendo que as pessoas não percam tanto tempo com deslocamento. Haverá aumento da produtividade.

Recuperação das empresas As empresas já estavam se adequando antes da crise com redução de custos e adaptação da nova realidade. E qual a capacidade de recuperação dessas empresas? Acredito que se sairão melhor as empresas com boa governança, bastante capitalizadas que atuam em mercado lucrativos. Aquelas que tenham flexibilidade de venda via e-commerce irão crescer mais. Haverá muita fusão e incorporação. Também se sairão bem as exportadoras com baixo endividamento. Na renda variável, temos de ser muito seletivos.

Déficit dos planos O déficit dos planos deve voltar a crescer em 2020. A meta atuarial média é de IPCA mais 5%. Hoje a curva longa está em IPCA mais 4,2%. O caixa está com juro real de apenas 1% e, como disse antes, não vejo capacidade de recuperação. Será importante ter flexibilidade em 2020 por parte dos órgãos de fiscalização e regulação. Em todo caso, precisa manter uma relação mais próxima com o patrocinador, muito mais que antes. Pode ocorrer risco de retirada de patrocínio em alguns casos. Tem de discutir o que pode ser feito em conjunto com o patrocinador.

Prazos de equacionamento Acho importante aumentar o prazo para equacionamento de déficit, entre outras medidas. O CNPC está demorando para tomar decisões. Já passou da hora. Tem de chamar a sociedade civil, formar um Grupo de Trabalho para flexibilizar as regras, com prazos maiores de equacionamento. Ou então, tem de aumentar a carência de equacionamento. É importante analisar cada caso. Cada entidade terá de mostrar para a Previc a sua capacidade financeira, ou seja, liquidez, para carência nas prestações de equacionamento, sem prejudicar o pagamento de benefício.

Suspensão de contribuições Defendo que deveria permitir a suspensão temporária de contribuições normais para aliviar o caixa das empresas. Mas só para planos CDs. Para os planos BDs e saldados, é mais complicado. Existe uma série de alternativas que estão demorando para sair do papel.

Oportunidades Apesar das dificuldades, não acho que devemos ficar debaixo da mesa, escondidos. É também um momento para procurar oportunidades, de ganhar retorno com ativos depreciados. Há boas oportunidades de compras. Estamos aproveitando algumas oportunidades em títulos públicos e privados. Sempre dosando o fluxo de caixa, pois ninguém sabe o fundo do poço, com muita cautela. Sem dúvida que há oportunidades na renda variável, mas vamos comprando em doses homeopáticas, pois irão aparecer boas opções de compras lá na frente. Não queremos esgotar toda a liquidez agora.

Títulos públicos O Brasil está mal precificado e os títulos públicos irão depreciar, Veja que uma NTN-B está pagando IPCA mais 4,2%. É muito pouco. O mercado vai estressar mais e estamos aguardando melhores oportunidades. Quando abrir de novo, vamos comprar de acordo com a liquidez. Virá muita volatilidade ainda, pois não sabemos a fundo a consequência dessa crise, quando isso vai acabar. Em todo caso, o investimento deve seguir sempre o Ato Regular de Gestão, cada vez mais perfeito. É preciso mostrar que na hora da tomada de decisão, foram considerados todos os cenários e respeitadas todas as instâncias da entidade. Nós avaliamos todos os cenários.

Fonte: https://www.blogabrapp.org/post/entrevista-flexibilizar-regras-de-equacionamento-de-deficit